terça-feira, 23 de abril de 2013

 Não há dúvida que o futuro da humanidade depende, em grande parte, da liberdade que os investigadores tenham de explorar os seus próprios ideias. Embora não se possa considerar descabido, os investigadores desejarem tornarem-se famosos, a verdade é que o homem que se dedicar à pesquisa com o objetivo de conseguir riqueza ou notoriedade, escolheu mal a sua profissão! (Alexander Fleming)
HISTÓRICO
     O uso da Biotecnologia teve o seu início com os processos fermentativos, cuja utilização transcende, de muito, o início da era Cristã, confundindo-se com a própria história da humanidade. A produção de bebidas alcoólicas pela fermentação de grãos de cereais já era conhecida pelos sumérios e babilônios antes do ano 6.000 a.C. Mais tarde, por volta do ano 2.000 a.C., os egípcios, que já utilizavam o fermento para fabricar cerveja, passaram a empregá-lo também na fabricação de pão. Outras aplicações, como a produção de vinagre, iogurte e queijos são, há muito tempo, utilizadas pelo ser humano.
      Entretanto, os agentes causadores das fermentações ficaram ocultos por seis milênios. Somente no século XVII, o pesquisador Antom Van Leeuwenhock, através da visualização em microscópio, descreveu a existência de seres tão minúsculos que eram invisíveis a olho nu.
      Foi somente 200 anos depois que Louis Pasteur, em 1876, provou que a causa das fermentações era a ação desses seres minúsculos, os micro-organismos, caindo por terra a teoria, até então vigente, que a fermentação era um processo puramente químico. Foi ainda Pasteur que provou que cada tipo de fermentação era realizado por um micro-organismo específico e que estes podiam viver e se reproduzir na ausência de ar.
      Posteriormente, em 1897, Eduard Buchner demonstrou ser possível a conversão de açúcar em álcool, utilizando células de levedura maceradas, ou seja, na ausência de organismos vivos .
      Paradoxalmente que possa parecer, foram as grandes guerras mundiais que motivaram a produção em escala industrial de produtos advindos de processos fermentativos.
      A partir da primeira guerra, a Alemanha, que necessitava de grandes quantidades de glicerol para a fabricação de explosivos, desenvolveu, através de Neuberg, um processo microbiológico de obtenção desse álcool, tendo chegado a produzir 1 mil toneladas do produto por mês. Por outro lado, a Inglaterra produziu em grande quantidade a acetona para o fabrico de munições, tendo essa fermentação contribuído para o desenvolvimento dos fermentadores industriais e técnicas de controle de infecções.
      Foi, todavia, a produção de antibióticos o grande marco de referência na fermentação industrial. A partir de 1928, com a descoberta da penicilina por Alexander Fleming, muitos tipos de antibióticos foram desenvolvidos no mundo.
      Na década de 40, durante a Segunda Guerra Mundial, os antibióticos passaram a integrar os processos industriais fermentativos, principalmente nos Estados Unidos, baseando-se inicialmente na síntese da penicilina e, posteriormente, da estreptomicina.
      Foi, todavia, a partir da década de 50 que a Biotecnologia, com a descoberta da síntese química do DNA, e com as técnicas de manipulação genética: DNA recombinante, fusão celular ou hibridoma, passou de fato a existir.
      A técnica do DNA recombinante envolve a criação sintética de novos organismos vivos, com características não encontradas na natureza, formadas pela hibridização em nível molecular do DNA. Essa técnica permite, por exemplo, o enxerto de genes humanos que determinam a produção de insulina em um micro-organismo. Isso leva a produzir industrialmente insulina humana, substituindo, com grande vantagens, a insulina bovina ou suína empregadas no tratamentos de diabéticos.
      A técnica de hibridoma possibilitou a manipulação genética das células vivas, onde duas ou mais células são fundidas para formar novos micro-organismos. Na prática, células animais que produzem anticorpos são incorporadas a outras malignas ou perniciosas, resultando em uma nova que se torna eficiente produtora de anticorpos.
      Atualmente é crescente o ritmo de desenvolvimento do setor, mantendo, inclusive, uma acentuada relação de interação com diversos outros setores da ciência e tecnologia, tais como: biologia molecular, fisiologia, microbiologia, engenharia química, engenharia ambiental etc.

BIOÉTICA
     A Bioética é um conjunto de pesquisas, discursos e práticas, normalmente multidisciplinares, cuja finalidade é esclarecer e resolver questões éticas suscitadas pelos avanços e pela aplicação da Medicina e da Biologia.
      Entre os temas abordados, sobressaem-se o aborto, a eutanásia, os transgênicos, a fertilização "in vitro", a clonagem e os testes com animais.
      O avanço da Biotecnologia abriu novas áreas de pesquisas, criando novas possibilidades de intervenções humanas sobre a natureza. Elaborou uma nova maneira de compreender a evolução, permitindo que repensemos a vida, tal como a sua realidade e sua complexidade.
      A Bioética tem a responsabilidade de alertar a sociedade da realidade existente no mundo da Biotecnologia.
      A Bioética não nasceu com a ideia de proibir o desenvolvimento genético, mas nasceu com o princípio de ter ética, no desenvolvimento da manipulação genética.

CÉLULAS-TRONCO
     As células-tronco são células primitivas, produzidas durante o desenvolvimento do organismo e que dão origem a outros tipos de células. Possuem capacidade de autorreplicação – isto é, de gerar uma cópia idêntica a si mesma – e potencial de se diferenciarem em vários tecidos. (DEL CARLO, 2008).
      Apresentam-se em diferentes tipos: 1) Totipotentes: podem produzir todas as células embrionárias e extraembrionárias; 2) Pluripotentes: podem produzir todos os tipos celulares do embrião; 3) Multipotentes: podem produzir células de várias linhagens; 4) Oligopotentes: podem produzir células dentro de uma única linhagem; 5) Unipotentes: produzem somente um único tipo celular maduro.

      Os cientistas trabalham com dois tipos de células-tronco de seres humanos: embrionárias (totipotentes) e adultas ou somáticas (pluripotentes).
 
     As embrionárias são derivadas de embriões que se desenvolvem de óvulos fertilizados “in vitro” e doados para propósitos de pesquisa. Estes embriões têm quatro a cinco dias de idade e formam uma estrutura microscópica denominada blastocisto.
      As adultas são células indiferenciadas, encontradas entre células diferenciadas dentro de um tecido ou órgão, que podem se renovar e se diferenciar para produzir tipos especializados. O papel primário das células-tronco adultas num organismo vivo é manter e reparar o tecido no qual elas são encontradas.

      As células-tronco oferecem a possibilidade de uma fonte de reposição de células e tecidos para tratar doenças como o Mal de Parkinson, traumatismo da medula espinhal, infarto, queimaduras, doenças do coração, diabetes, osteoartrite, artrite reumatoide, entre outras.

      Eventualmente, os cientistas podem até desenvolver órgãos inteiros em laboratório para substituir os que foram danificados por doenças.

CLONAGEM
     Clonagem é um processo natural (como é o caso de gêmeos idênticos) ou artificial (quando há a utilização de células somáticas) em que são produzidas cópias geneticamente idênticas de outro ser, através de reprodução assexuada.
      Em genética, define-se a clonagem como o processo de se produzir cópias idênticas de seres vivos através de um fragmento específico de DNA.
     Até 1997 e o surgimento da ovelha Dolly, a criação de um embrião animal começava obrigatoriamente com a fusão de um óvulo com um espermatozóide. Essa fusão poderia ser natural ou assistida, como nos processos de fertilização in vitro, porém sem o encontro dessas duas células muito especiais não havia a possibilidade da geração da vida.
      Dolly foi a primeira demonstração de que a vida animal pode surgir de outra forma: pela clonagem, a partir não mais de duas, mas de uma única célula de qualquer parte do corpo de um indivíduo adulto.
      No entanto, através desse método de reprodução, ao invés de gerarmos indivíduos inéditos, misturas de seus pais, geramos um clone, uma cópia daquele doador de célula: literalmente uma "reprodução"!
      A partir da clonagem da ovelha Dolly (em 1997), já foram gerados com sucesso clones bovinos, de camundongos, de porcos, entre outros, cada um deles com um objetivo específico - seja a produção de animais comercialmente interessantes ou a de modelos de animais para pesquisa básica.
      Há dois tipos de clonagem: reprodutiva e terapêutica.
  • Na clonagem reprodutiva o núcleo de uma célula adulta é introduzido no óvulo "vazio" - óvulo em que foi retirado o núcleo contendo material genético (DNA) - e transferido para um útero de aluguel, com a finalidade de gerar um feto geneticamente idêntico ao doador do material genético. A clonagem reprodutiva é praticamente rejeitada universalmente por não ser considerada como tendo uma finalidade terapêutica, como de fato deveria ser. 
  • Na clonagem terapêutica as células-tronco jamais serão introduzidas em algum útero. O DNA retirado de uma célula adulta do doador também é introduzido num óvulo "vazio", mas, depois de algumas divisões, as células-tronco são direcionadas no laboratório para fabricar tecidos idênticos aos do doador, tecidos que nunca serão rejeitados por ele. A clonagem terapêutica teria a vantagem de evitar rejeição se o doador fosse a própria pessoa. Seria o caso, por exemplo, de reconstituir a medula em alguém que se tornou paraplégico após um acidente ou para substituir o tecido cardíaco em uma pessoa que sofreu um infarto. Entretanto, por mais que seja favorável a clonagem terapêutica, trata-se de uma tecnologia que necessita de muita pesquisa antes de ser aplicada no tratamento clínico. Por este motivo, a grande esperança, a curto prazo, para terapia celular, vem da utilização de células-tronco de outras fontes.
CULTURA DE TECIDOS
      Cultura de tecidos é um termo genérico que inclui a cultura de órgãos, que é o crescimento de pequenos fragmentos de tecidos ou de um completo órgão embrionário, e cultura celular, onde as células de um tecido são dispersas por meios mecânicos ou enzimáticos e se propagam como suspensão celular ou são prendidas em uma superfície de vidro ou plástico.
      A cultura de tecidos requer condições estéreis, e um meio de cultura contendo água, sais, muitos nutrientes e soro sanguíneo para a sustentação celular e para seu crescimento fora do corpo. Um meio de cultura sem soro tem sido desenvolvido para satisfazer necessidades e funções crescentes das células.

      A cultura de tecidos vegetais tem várias aplicações práticas utilizadas amplamente na agricultura. Dentre elas podemos destacar: a clonagem de vegetais, o melhoramento genético e a produção de mudas sadias. Esta técnica consiste, basicamente, em cultivar segmentos de plantas, em tubos de ensaio contendo meio de cultura adequado.

      A partir desses segmentos que podem ser gemas, fragmentos de folhas ou raízes, ápices caulinares entre outros, podem ser obtidas centenas a milhares de plantas idênticas. Essas plantas são, posteriormente, retiradas dos tubos de ensaio, aclimatadas, e levadas ao campo, onde se desenvolvem normalmente.

      A cultura de tecidos tem demonstrado grande importância prática e potencial nas áreas agrícolas, florestal, na horticultura, floricultura e fruticultura, bem como na pesquisa básica.

      As células e tecidos de culturas de animais são amplamente utilizadas para pesquisa biológica. Por exemplo, os métodos da cultura de tecidos são válidos para o teste de drogas com aplicação na medicina e para o preparo de vacinas, anticorpos, fatores de crescimento, coeficientes de coagulação, e numerosas proteínas.

      Células sanguíneas podem ser obtidas na medula óssea de doadores sadios, onde sua cultura é feita na presença de fatores de crescimento e utilizados no transplante de recipientes compatíveis no tratamento de doenças malignas, particularmente da leucemia.

      Os métodos de cultura de tecido estão sendo desenvolvidos para o transplante das células produtoras de insulina, isoladas de um tecido pancreático fetal em pacientes com diabetes que não respondem ao tratamento médico convencional.

TRANGÊNICOS
     Os organismos geneticamente modificados (OGMs), ou transgênicos, são aqueles que tiveram genes estranhos, de qualquer outro ser vivo, inseridos em seu código genético.
      O processo consiste na transferência de um ou mais genes responsáveis por determinada característica num organismo para outro organismo, ao qual se pretende incorporar esta característica. (Prof. Luiz Carlos Federizzi - UFRGS)
      Uma série de organismos diferentes já sofreram inserção de genes da mesma ou de outras espécies, dentre eles: vírus, bactérias, plantas (mais de 100 espécies diferentes), animais e até a própria espécie humana. As mais destacadas são os transgênicos utilizados:
Na medicina
a) Insulina obtida em bactérias transgênicas que receberam o gene humano que inclusive é fabricada e vendida livremente em todas as farmácias do Brasil (com tecnologia brasileira); b) Vacinas para a meningite e hepatite B; c) Hormônio de crescimento (somatropina), também obtidos em bactérias transgênicas (desde 1985).
Nos produtos de limpeza
Detergentes biodegradáveis obtidos em bactérias transgênicas são a base da maioria dos sabões e detergentes.
Nos produtos processados: a) Queijo: 100% do queijo produzido em muitos países utiliza coalho transgênico; b) Vinho: estão sendo utilizados em larga escala leveduras que foram alteradas geneticamente.
No ambiente
a) Kits para diagnóstico da poluição por diferentes poluentes; b) Bactérias transgênicas para limpeza de locais poluídos por petróleo e metais pesados.
Em animais
a) Ratos modificados geneticamente para estudos biomédicos (primeiros hemoglobina do coelho em 1981); b) Tilápia e dourado com crescimento quatro vezes o normal (gene com hormônio de crescimento); c) Drosophila e ratos com genes que simulam doença de Alzheimer.
Nas plantas
a) Genes de resistência à herbicida, vírus e moléstias; b) Genes que modificam a composição de lipídios (óleos); c) Genes de resistência a insetos; d) Genes com diferentes vitaminas (arroz pró vitamina A); e) Genes para maturação retardada (longa vida); f) Genes para a produção de fitoterápicos para a fabricação de remédios; g) Genes para a fixação do Nitrogênio; h) Vacinas comestíveis – vacinas contra difteria em bananas, entre outros.

      Esses são somente parte do grande número de exemplos possíveis de organismos geneticamente modificados que já estão ou estarão proximamente no mercado.
Ainda não existem normas apropriadas para avaliar os efeitos dos transgênicos na saúde do consumidor e no meio ambiente e há sérios indícios de que eles sejam prejudiciais. Os próprios médicos e cientistas ainda têm muitas dúvidas e divergências quanto aos riscos dessas espécies. Não existe um só estudo no mundo que prove que eles sejam seguros.
      A biotecnologia, como qualquer outra tecnologia, é uma ferramenta que deve ser usada com responsabilidade na solução de problemas. É bastante difícil prever qual será a eficácia de todas as iniciativas de desenvolvimento dos transgênicos. 
     Certamente, serão necessários ainda vários anos para que os pesquisadores e a sociedade compreendam melhor seus benefícios e riscos. Portanto, cabe à comunidade científica, aos governos e às empresas, utilizarem essa tecnologia de maneira a garantir o aumento da produtividade, a melhora na qualidade dos alimentos e a conservação do meio ambiente.